LONGE DO FORDISMO CULTURAL HÁ VIDA INTELIGENTE
Li um texto interessante da ana Maria Baihana no Comunique-se e desatei a escrever...
A geração de Ana Maria e Belchior sonhava com a democracia. O terror depenou suas asas e as de seus filhos. A primeira coisa que a ditadura fez foi cortar a cabeça do povo brasileiro. Plantaram um povo burro, colheram uma nação anêmica, enfraquecida, estruturalmente destroçada.
Bastou uma década sem Educação pra arrancar a cabeça do brasileiro. O Pasquim estava nas bancas, mas quem comprava? Pouca gente. Enquanto neguinho morria nos porões do Dops, nos 60/70, alguns jovens estavam na rua falando a mesma coisa: povo bunda, povo fracassado... O brasileiro – aquele bicho que leva uma vida ferrada e precisa lutar pelos seus direitos - é sempre o outro...
Ainda que tenha cometido o pecado de generalizar, acho que Belchior estava certo a respeito de sua geração. Afinal, os mesmos caras que tomaram porrada, viveram na clandestinidade e coisa e tal estão no “pudê” hoje, não é? FHC... O PT, estandarte da democracia, louco pra cuspir Heloisa Helena e cia... Caetano Veloso e Máfia do Dendê...
Por conta dessas e outras, ser brasileiro nos anos 80 e 90 também não foi tarefa fácil. E ainda não é. Mais difícil ainda é ser um indivíduo em formação - o jovem - num sistema cuja lógica primordial é a competição, ainda que esse mesmo sistema não ofereça oportunidade para todos competirem e, de fato, alimente mecanismos de exclusão. Quanto menos cobra comendo cobra, melhor...
Acontece que, como diz minha mulher, “a fila anda”. Desde sempre houve os jovens rebeldes que acabam vivendo como os próprios pais, assim como sempre houve quem não se satisfizesse com o status quo, sendo jovem ou não. Vão sempre existir.
E você pode dizer que o cool jazz degringolou em Kenny G e que a geração beat germinou o pernosticismo “elegante” da auto-intitulada elite intelectual atual e sua erudição arrogante, chocha, exibicionista e supérflua. Você pode dizer que “a paz e o amor” hippies decaíram em esoterismo “Carma-Cola” e Aids. Que quem tinha Black Sabbath hoje tem Angra e os Osbournes. Que quem tinha Velvet Underground hoje tem Strokes. Você pode dizer que o alfinete de segurança do punk no final dos 70 involuiu para o piercing na cara da Kelly Key e que a ira dos Buzzcocks verteu o Limp Bizkit. Que todo o trabalho e criatividade encerrados entre os sound systems de Lee Perry e o lamento do Portishead, passando por Kraftwerk e Public Enemy, serviram pra ouvirmos “Tô Nem Aí” de uma tal de Luka, como se estivéssemos sob os alto-falantes de um campo de concentração.
Pois é, você pode continuar essa ladainha, afinal, é só isso que você vê “antes” na MTV, na New Musical Express e seus parasitas (célebres críticos musicais da grande mídia paulistana, por exemplo). Isso pra falar apenas de música e afins.
O negócio é que indústria cultural adotou o fordismo e não larga mais. O lance é que a mídia não fala mais de arte ou cultura, mas apenas de produtos, de lançamentos. Estabeleceu-se o sofisma: o que parece novo é bom. E agora tudo tem uma só cor. E assim se ganha mais dinheiro... Aliás, “é pegar ou largar”.
Esse monólogo do capital é novidade? Claro que não. É ruim, mas é pra quem quer. E tem uma gente espalhada e reunida pelo mundo que não quer mais isso. Ao contrário, quer diálogo, quer compartilhar, quer pôr na banca. A fila anda e a informação circula. Milhões de anos de história da humanidade acumulados pra se fazer bom uso. Não é mais uma questão geracional, nem de gênero, raça, categoria etc. Tem jovem, tem velho, preto, branco, vermelho, amarelo, homem, mulher, gay, tem de tudo. E tem brasileiro pra dar com pau também!
Como na Alegoria da Caverna, basta olhar pra trás, pra fora, pra longe da sombra do seu umbigo animada na parede, para descobrir que existe gente de verdade, bem longe, desacorrentada, produzindo cultura viva e quente se lixando pra exposição gerada pela luz ridícula da fogueira. Realmente não há nada de novo sob o sol quando o seu sol é aquela chaminha trêmula...
Uma cultura totalmente diferente está tomando as ruas e as infovias. É a cultura de quem é livre. Dane-se se não é nova, é autêntica! Dane-se se não vende milhões globalmente, é viva onde vive! E, ainda por cima, agora pode ser disseminada com um clique e a custo zero pelo mundo todo! Em cada cidade desse planeta há diversas “cenas” dos mais diversos estilos musicais, com artistas de talento, criatividade e inteligência, fazendo de tudo, canibalizando o velho, regurgitando o novo.
Excluídas do que preferem mesmo estar fora, essas “cenas” se sustentam não por grandes redes de comunicação coorporativa, mas por suas redes diversificadas de informação, que além de zines e publicações alternativas, tem na comunicação horizontal, no boca-a-boca (amplificado pela Internet), o melhor e mais potente recurso de disseminação e adesão. Paulatinamente, vão ganhando viabilidade financeira e público.
E sucesso. Um sucesso a anos-luz do contexto fordista de sucesso, nada a ver com ser aclamado por uma estatística que reflete o quando o departamento de marketing da empresa teve êxito. Tem haver apenas com ser apreciado, compreendido e respeitado como alguém que deixou um mundo um átimo melhor.
Esse organismo de cultura do submundo está se lixando pra grande mídia. Se um célula desse sistema é infectada pelo sistemão velha guarda, ela é voluntariamente cuspida, pois passa a só conseguir sobreviver no sistemão. É claro que há exceções. Também é claro que o fordismo cultural, cumprindo seu papel, continuará a canibalizar essa base, esse submundo, pra poder ter alguma coisa pra chamar de novidade (ainda que minta nesse empenho).
Os punks deixaram um legado virulento e persistente: Faça-Você-Mesmo! Tem gente fazendo. Pra quê e por quem esperar? Afinal, essa gente resolveu não fazer como os próprios pais só porque querem ver a “fila andar”, o mundo girar. E sabem que não é o dinheiro que faz o mundo girar, como pregava aquela velha e infame canção. Se você não sabe disso tudo, é por que não quis saber. Tá tudo ao alcance da mão. Tem gente nesse mundo que, diferente de seus pais, resolveu fazer do sonho de liberdade uma realidade. Gente que sabe que o sofá não é um trono e o controle remoto não é um cetro. Gente que já mudou de canal, que não odeia a mídia, pois é a mídia e está nas ruas e infovias, fazendo o mundo girar. Gente que sabe que é burrice chamar de “o jovem”, “a música”, “a realidade” ou “o mundo” aquele resuminho repetitivo e padronizado que a mídia de massa faz diariamente. Gente que abriu o diálogo com o resto da gente e deixou a tevê falando sozinha.
Li um texto interessante da ana Maria Baihana no Comunique-se e desatei a escrever...
A geração de Ana Maria e Belchior sonhava com a democracia. O terror depenou suas asas e as de seus filhos. A primeira coisa que a ditadura fez foi cortar a cabeça do povo brasileiro. Plantaram um povo burro, colheram uma nação anêmica, enfraquecida, estruturalmente destroçada.
Bastou uma década sem Educação pra arrancar a cabeça do brasileiro. O Pasquim estava nas bancas, mas quem comprava? Pouca gente. Enquanto neguinho morria nos porões do Dops, nos 60/70, alguns jovens estavam na rua falando a mesma coisa: povo bunda, povo fracassado... O brasileiro – aquele bicho que leva uma vida ferrada e precisa lutar pelos seus direitos - é sempre o outro...
Ainda que tenha cometido o pecado de generalizar, acho que Belchior estava certo a respeito de sua geração. Afinal, os mesmos caras que tomaram porrada, viveram na clandestinidade e coisa e tal estão no “pudê” hoje, não é? FHC... O PT, estandarte da democracia, louco pra cuspir Heloisa Helena e cia... Caetano Veloso e Máfia do Dendê...
Por conta dessas e outras, ser brasileiro nos anos 80 e 90 também não foi tarefa fácil. E ainda não é. Mais difícil ainda é ser um indivíduo em formação - o jovem - num sistema cuja lógica primordial é a competição, ainda que esse mesmo sistema não ofereça oportunidade para todos competirem e, de fato, alimente mecanismos de exclusão. Quanto menos cobra comendo cobra, melhor...
Acontece que, como diz minha mulher, “a fila anda”. Desde sempre houve os jovens rebeldes que acabam vivendo como os próprios pais, assim como sempre houve quem não se satisfizesse com o status quo, sendo jovem ou não. Vão sempre existir.
E você pode dizer que o cool jazz degringolou em Kenny G e que a geração beat germinou o pernosticismo “elegante” da auto-intitulada elite intelectual atual e sua erudição arrogante, chocha, exibicionista e supérflua. Você pode dizer que “a paz e o amor” hippies decaíram em esoterismo “Carma-Cola” e Aids. Que quem tinha Black Sabbath hoje tem Angra e os Osbournes. Que quem tinha Velvet Underground hoje tem Strokes. Você pode dizer que o alfinete de segurança do punk no final dos 70 involuiu para o piercing na cara da Kelly Key e que a ira dos Buzzcocks verteu o Limp Bizkit. Que todo o trabalho e criatividade encerrados entre os sound systems de Lee Perry e o lamento do Portishead, passando por Kraftwerk e Public Enemy, serviram pra ouvirmos “Tô Nem Aí” de uma tal de Luka, como se estivéssemos sob os alto-falantes de um campo de concentração.
Pois é, você pode continuar essa ladainha, afinal, é só isso que você vê “antes” na MTV, na New Musical Express e seus parasitas (célebres críticos musicais da grande mídia paulistana, por exemplo). Isso pra falar apenas de música e afins.
O negócio é que indústria cultural adotou o fordismo e não larga mais. O lance é que a mídia não fala mais de arte ou cultura, mas apenas de produtos, de lançamentos. Estabeleceu-se o sofisma: o que parece novo é bom. E agora tudo tem uma só cor. E assim se ganha mais dinheiro... Aliás, “é pegar ou largar”.
Esse monólogo do capital é novidade? Claro que não. É ruim, mas é pra quem quer. E tem uma gente espalhada e reunida pelo mundo que não quer mais isso. Ao contrário, quer diálogo, quer compartilhar, quer pôr na banca. A fila anda e a informação circula. Milhões de anos de história da humanidade acumulados pra se fazer bom uso. Não é mais uma questão geracional, nem de gênero, raça, categoria etc. Tem jovem, tem velho, preto, branco, vermelho, amarelo, homem, mulher, gay, tem de tudo. E tem brasileiro pra dar com pau também!
Como na Alegoria da Caverna, basta olhar pra trás, pra fora, pra longe da sombra do seu umbigo animada na parede, para descobrir que existe gente de verdade, bem longe, desacorrentada, produzindo cultura viva e quente se lixando pra exposição gerada pela luz ridícula da fogueira. Realmente não há nada de novo sob o sol quando o seu sol é aquela chaminha trêmula...
Uma cultura totalmente diferente está tomando as ruas e as infovias. É a cultura de quem é livre. Dane-se se não é nova, é autêntica! Dane-se se não vende milhões globalmente, é viva onde vive! E, ainda por cima, agora pode ser disseminada com um clique e a custo zero pelo mundo todo! Em cada cidade desse planeta há diversas “cenas” dos mais diversos estilos musicais, com artistas de talento, criatividade e inteligência, fazendo de tudo, canibalizando o velho, regurgitando o novo.
Excluídas do que preferem mesmo estar fora, essas “cenas” se sustentam não por grandes redes de comunicação coorporativa, mas por suas redes diversificadas de informação, que além de zines e publicações alternativas, tem na comunicação horizontal, no boca-a-boca (amplificado pela Internet), o melhor e mais potente recurso de disseminação e adesão. Paulatinamente, vão ganhando viabilidade financeira e público.
E sucesso. Um sucesso a anos-luz do contexto fordista de sucesso, nada a ver com ser aclamado por uma estatística que reflete o quando o departamento de marketing da empresa teve êxito. Tem haver apenas com ser apreciado, compreendido e respeitado como alguém que deixou um mundo um átimo melhor.
Esse organismo de cultura do submundo está se lixando pra grande mídia. Se um célula desse sistema é infectada pelo sistemão velha guarda, ela é voluntariamente cuspida, pois passa a só conseguir sobreviver no sistemão. É claro que há exceções. Também é claro que o fordismo cultural, cumprindo seu papel, continuará a canibalizar essa base, esse submundo, pra poder ter alguma coisa pra chamar de novidade (ainda que minta nesse empenho).
Os punks deixaram um legado virulento e persistente: Faça-Você-Mesmo! Tem gente fazendo. Pra quê e por quem esperar? Afinal, essa gente resolveu não fazer como os próprios pais só porque querem ver a “fila andar”, o mundo girar. E sabem que não é o dinheiro que faz o mundo girar, como pregava aquela velha e infame canção. Se você não sabe disso tudo, é por que não quis saber. Tá tudo ao alcance da mão. Tem gente nesse mundo que, diferente de seus pais, resolveu fazer do sonho de liberdade uma realidade. Gente que sabe que o sofá não é um trono e o controle remoto não é um cetro. Gente que já mudou de canal, que não odeia a mídia, pois é a mídia e está nas ruas e infovias, fazendo o mundo girar. Gente que sabe que é burrice chamar de “o jovem”, “a música”, “a realidade” ou “o mundo” aquele resuminho repetitivo e padronizado que a mídia de massa faz diariamente. Gente que abriu o diálogo com o resto da gente e deixou a tevê falando sozinha.
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