agosto 02, 2003

LUTANDO POR UM MUNDO LIVRE

Os Estados viraram massa de manobra do capital e isso todo mundo já sabe. Mas deixar o capital deliberadamente sustentar esse mundo de repressão e hipocrisia que nós vivemos é ser imbecil. Se o dinheiro move o mundo, como diz aquela musiquinha estadunidense, e você tem poder de compra, então também tem o poder de mover o mundo. É só pensar em como gasta seu dinheiro. Reagir com inteligência às manifestações contra a liberdade do ser humano é fundamental. E a galera gay arrumou um jeito muito divertido de protestar. Aliás, esse bom humor é uma das coisas mais típicas e legais da comunidade gay.

Gays organizam "beijaço" de protesto em shopping de São Paulo

SÃO PAULO (Reuters) - Homossexuais vão fazer um protesto no estilo "beijaço" no próximo domingo no shopping Frei Caneca, em São Paulo, no mesmo lugar onde um casal gay foi repreendido por um segurança quando se beijava antes de entrar no cinema.


Leia essa opinião (gay) sobre o caso:

Caso Shopping Frei Caneca

O beijo que não pode ser calado

por Eduardo Piza Gomes de Melo
31/7/2003

O incidente ocorrido no Shopping Center Frei Caneca, em São Paulo, no último domingo, sobre a repressão e o dano moral contra duas pessoas do mesmo sexo que manifestaram seu afeto em público, há que ter a máxima atenção e consideração de todos que defendem os direitos humanos e a democracia. E, tomara que a reação que se esboça por parte destes todos defensores se transforme num marco importante na história da emancipação e do reconhecimento dos direitos civis dos homossexuais no Brasil.


Quando há ofensa aos homossexuais - qualquer que ela seja - o movimento GLBT organizado sempre se debate na procura de melhores fórmulas para assistir à vítima e punir os responsáveis. É desta conduta que saíram iniciativas como os serviços de disque denúncia e de assessoria jurídica - ainda que precários ou pífios alguns foram. A pressão para o julgamento e a condenação dos skinheads que mataram Edson Neris em 2000 na Praça da República vem no bojo desta onda judicialista.


Assim, também, o Poder Judiciário e o Ministério Público têm sido indicados por grupos e militantes para socorrer os atingidos pelo preconceito e discriminação. No entanto, apesar de tudo, a comunidade homossexual ainda não conseguiu ter aprovada uma única lei federal que reconheça a existência e assegure direitos aos GLBT. Nada, absolutamente nada.


No caso de São Paulo a questão é agravada, pois a comunidade homossexual é capaz de produzir um evento da magnitude da Parada do Orgulho, com um milhão de participantes, mas não consegue fazer com que o Secretário Estadual de Justiça, Alexandre de Morais, ilustre jurista constitucionalista e ex-promotor público, cumpra a lei estadual antidiscriminatória em vigor, instaurando processos administrativos em comissões especiais. Mas a raiz do problema não está somente na surdez do poder público.



O Estado e a cidade de São Paulo, mecas do capitalismo sulamericano, dispensam tratamento desonroso aos homossexuais. O que ocorreu no Shopping Frei Caneca revela de maneira inquestionável um fato pouco enfrentado e debatido: o comércio, a indústria e o mercado brasileiros aceitam sem nenhuma parcimônia o dinheiro dos homossexuais, mas não têm competência e discernimento suficientes para enxergar que estes mesmos homossexuais são titulares de direitos de consumidor.


Neste ponto os capitalistas brasileiros continuam sendo burros, e muito burros, a ponto de terem patrocinado R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) na Parada do Orgulho de São Paulo, desde que não fosse feita qualquer vinculação do nome, produto e marca do patrocinador ao evento. Patrocínio cala boca. Pagar para ser esquecido, pagar para que esqueçam o deslize de uma propaganda de automóvel igualmente burra e preconceituosa.


Se esta gente conhecesse o Castro em São Francisco ou o Village em Nova York saberiam que muitas marcas de grandes empresas estão associadas à comunidade GLBT, sem qualquer constrangimento e à procura de consumidores. Vale a pena dar uma lida no relatório anual do Centro Comunitário GLBT de Nova York para ver a presença de grandes bancos e empresas aéreas na relação de seus principais mantenedores.


O Shopping Frei Caneca, por sua vez, tem uma grande quantidade de clientes homossexuais, que freqüentam sua praça de alimentação, suas lojas, salas de cinema e estacionamentos. É por esta razão que ele já foi rebatizado pelos gays de SHOPPING GAY CANECA. E lá, no coração do gueto GLBT consumista, onde o pink money mostra seu lado mais condescendente, ousam dizer que o beijo de duas pessoas do mesmo sexo não pode ser dado. Ousam dizer como se deve beijar em público. Ousam dizer o que é beijo imoral.


Esta gente precisa de uma lição, e de uma lição bem dada. Precisam saber que se não tratarem bem seus clientes homossexuais, beijoqueiros ou não, estes clientes irão consumir e beijar em outra freguesia. Chegou a hora de mostrar para os shopping centers, às montadoras, aos publicitários, aos capitalistas em geral, que boca foi feita para beijar e não para ser calada. E que dinheiro foi feito para ser gasto com quem trata bem seu dono.


Esta gente precisa ficar assustada e preocupada com a bobagem que fizeram, para nunca mais repeti-la, pois poderão ter prejuízos financeiros por causa de uma bravata moralista.


No próximo domingo, dia 03.08.03, é dia de beijo resposta, dia de resposta bem dada. Vamos mostrar que quem beija por último beija melhor.


Eduardo Piza Gomes de Mello é advogado em São Paulo e participa do Instituto Edson Neris.